Sunday, March 08, 2009

Erasmus#33 Passagens do Rei-Saudade

"É ou não como eu te disse, a minha noite? Abre de par em par a tua alma. É a noite em que a saudade se faz carne. Vê! Tem asas de névoa que mal bolem, grandes asas de lágrimas, caladas... Toca o cabelo, toca as mãos: Escorrem. O céu, todo o céu defez-se em choro. É a saudade que voa sobre o mundo. O meu reino é o reino da saudade. A estas horas, Afonso, não é som destino a Alcobaça: por todas as estradas, por todos os caminhos do meu reino, vai abrindo os olhos pela névoa, como flores com raízes no silêncio, todo o povo encantado da saudade. Ouves? Eu oiço-o caminhar. Sigo-lhe os passos. Há nos meus olhos céus para o cobrir. Escuta, escuta... [...]
A saudade hoje passa sobre o mundo, como o Cristo passou sobre o mar. Vê como tudo se calou para a sentir!... Eu sabie que quando Inês se erguesse, seria assim a noite. A noite em que a saudade se fez carne!... A noite em que o passado está presente, mas presente adivinho, com futuro, abrindo os olhos sobre um fundo eterno... Noite de Inês e de Pedro! Oh, minha noite!"

"Mas um dia, «Alguém» desceu ao fojo: - «Alguém» que era da morte e era da vida... Eu vi a saudade ao pé de mim. Nunca mais me deixou: vivo com ela. Por isso eu sei a morte como tu. Sou o homem que viveu a vida e a morte: sou o homem-Saudade, o rei-Saudade..."

António Patrício, Pedro, o Crú

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